Recorte representativo do povo Kaingáng no RS define, entre outras proposições, que a visibilidade da cultura Kaingáng é uma repartição coletiva de benefícios para o povo Kaingáng (RS), a partir de protocolo comunitário sobre o uso de expressões tradicionais Kaingáng em obra audiovisual, criado nesta quarta (11), em Passo Fundo.
A Consulta Pública junto ao povo Kaingáng liderada pela Organização Indígena Instituto Kaingáng – Inka, Ponto de Cultura Kanhgág Jãre e Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), desta vez no Rio Grande do Sul, que concentra mais da metade da população indígena Kaingáng do país, cerca de 30 mil pessoas, foi finalizada nesta quarta (11), em Passo Fundo (RS).
A Consulta é uma das quatro a serem realizadas abrangendo cada estado onde habita o Kaingáng, incluindo Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo, nas regiões Sul e Sudeste onde vive a população Kaingáng no Brasil. A primeira ocorreu junto ao povo Kaingáng do Paraná, nos dias 05 e 06 de janeiro, na cidade de Londrina.
Pela manhã na Consulta, foram apresentados os resultados da oficina de teatro sob a coordenação da educadora e advogada Fernanda Kaingáng, com a participação dos professores e indígenas presentes na Consulta, contribuindo no esclarecimento de temas densos como o contexto legal de proteção de expressões culturais tradicionais por meio de metodologia de fácil compreensão para povos indígenas.
Em seguida, foram retomadas as discussões para a elaboração do contrato de acesso e repartição coletiva de benefícios pelo uso de expressões culturais tradicionais Kaingáng em obra audiovisual.
Valorização e Visibilidade à Cultura Kaingáng como ganho
Construir consensos é um desafio para um povo grande como o Kaingáng, considerado um dos maiores povos no Brasil, com população atual estimada em 60 mil pessoas.
“Somos o terceiro maior povo e não estamos ocupando os espaços estratégicos. A visibilidade do povo Kaingáng tem de ser abraçada. Há muitos Kaingáng que são esquecidos, que tem uma luta grande e muitas vezes ficamos só em reunião e a gente não chega numa decisão. Nossos grafismos têm sido usados e isso não é questionado por Funai, por Ministério Público, por nenhum órgão que poderia fiscalizar. O que a empresa trouxe aqui é uma provocação para nós, para construirmos junto com eles essa visibilidade que falta para nós”, sinalizou a liderança da Terra Indígena Lomba do Pinheiro, cacique Moisés da Silva.
O enfoque na valorização e na visibilidade da cultura indígena Kaingáng esteve em muitos momentos nas falas dos participantes indígenas na plenária e que ajudaram a definir e aprovar um protocolo comunitário para uso de expressões culturais tradicionais Kaingáng e do contrato de uso destas expressões e repartição coletiva de benefícios em obra audiovisual, uma ação inédita entre o povo Kaingáng no Brasil.
“Precisamos sim dessas proteções que estamos criando aqui para irmos ganhando visibilidade e com essa visibilidade levar qualidade para as nossas escolas também. As pessoas fazem teses, produzem livros e sempre as coisas estão escapando e não estão voltando nada para nossa comunidade, a nossa comunidade continua lá. Se fortalecermos a identidade dos nossos filhos dentro das nossas escolas indígenas, eles vão sair de lá e vão se dar bem em qualquer lugar, porque eles vão poder se defender, vão poder dizer que são diferentes e exigir que respeitem as diferenças assim como eles respeitam as diferenças dos outros”, explicou o professor Kaingáng da Terra Indígena Guarita, Miguel Ribeiro.
“A consulta pública valoriza o povo Kaingáng no seu local e esse é o exercício de formação para nós. Um dos benefícios de aparecermos na grande mídia é a valorização da nossa identidade, dos nossos grafismos, o que vai agregar valor. Precisamos construir essas políticas públicas para criar visibilidade, existe uma dúvida sobre a nossa existência na região Sul até hoje”, atesta o historiador e professor indígena Kaingáng Bruno Ferreira.
“Às vezes precisamos até nos ajoelhar para poder ser ouvidos pelas entidades. Agora com a criação desse protocolo eu acredito que vai mudar a situação, mas se a gente se unir. A liderança que estiver nas aldeias e que um dia souber o que estamos preparando aqui, ele tem por obrigação apoiar por causa que os nossos Kaingáng estão terminando. Eu não perco a minha cultura, eu vou morrer daquele jeito ali, fazendo meu artesanato, indo vender, não tenho vergonha. Então vamos parar com isso aí e trabalhar em cima da nossa cultura”, declarou o artesão Valdir Mĩg Carvalho, da Terra Indígena Mato Castelhano.
A próxima Consulta Pública será realizada junto ao povo Kaingáng de Santa Catarina, na cidade de Chapecó nos dias 24 e 25 de janeiro.
Escrito por: Sônia Kaingáng, jornalista indígena independente, especializada em Educação, Diversidade e Cultura Indígena. Cobre temáticas indígenas em Educação, Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e Biodiversidade, tendo atuado profissionalmente em organizações indígenas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. Atualmente pelo Instituto Kaingáng – Inka.