Tenda Multiétnica do festival se destacou com a participação de líderes indígenas em discussões sobre a produção cinematográfica indígena e caminhos no pós-pandemia entre os dias 24 de maio a 05 de junho, na cidade de Goiás (GO). Expectativa de futuro é incorporar a participação massiva de povos indígenas de todas as regiões do Brasil.

O FICA 2022, que retornou em formato presencial, se tornou conhecido ao redor do mundo por discutir temas como meio ambiente e sustentabilidade a partir de produções audiovisuais e recebe anualmente personalidades do meio cinematográfico, artístico, acadêmico e cultural.

Nesta edição, o Ponto de Cultura Centro Cultural Kanhgág Jãre – Raiz Kaingáng da Organização Indígena Instituto Kaingáng (Inka) marcou presença na Tenda Multiétnica do festival, com a presença da advogada ambientalista, escritora e arte educadora, Fernanda Kaingáng.

Tenda Multiétnica

Desde 2016, a Tenda Multiétnica ocorre no festival e é um espaço imprescindível para o pensar dos povos originários e povos tradicionais do Cerrado e do Brasil, segundo o geógrafo e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), Uelinton Barbosa Rodrigues. Ele explica que a partir da primeira realização da Tenda Multiétnica “esses povos passaram a ter protagonismo no contexto do festival, além de pesquisadores, militantes e profissionais comprometidos com a pauta ambiental”.

Em sua 4ª edição, a Tenda oportunizou o debate sobre grandes desafios para povos indígenas e quilombolas no Brasil como a demarcação de terras, o garimpo, o desmatamento e a contaminação promovida pelo agronegócio.

Debates na Tenda do FICA

Fernanda participou de duas mesas na tenda multiétnica, um espaço que tem como marca registrar a pluralidade do povo brasileiro, recebendo também comunidades quilombolas do povo Kalunga, acadêmicos da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Universidade Federal de Goiás (UFG), cientistas da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e demais lideranças indígenas. 

Nas mesas “Terra e território: ameaças e desafios para os povos tradicionais” e “Diálogos sobre os desafios dos indígenas que residem em contexto urbano”, Fernanda narrou, em forma de contação de história, o resgate da cultura Kaingáng e dos papéis do Kame e Kanhru, metades clânicas, que compõem a organização social e a identidade do seu povo. 

Ela também denunciou o extermínio que os povos indígenas vêm sofrendo ao longo dos 500 anos, lembrando que na atualidade, ele segue existindo com o avanço do agronegócio sobre as terras indígenas de todo o Brasil, “uma guerra química que dá continuidade ao extermínio de povos indígenas e de nossa soberania e segurança alimentar em nome de um desenvolvimento que produz morte cultural e ambiental”, afirmou.

Fernanda reiterou a ilegalidade do arrendamento das terras indígenas, com a chancela da Funai e do Ministério Público Federal que deveriam combater essas práticas, por violar o usufruto exclusivo dos povos indígenas aos recursos naturais em seus territórios e também porque o plantio de transgênicos em terras indígenas é proibido por lei.

Genocídio de Povos Indígenas e Soberania Alimentar

O cacique Luiz Katu, do povo Potiguara, do Rio Grande do Norte contou que seu povo foi o último a ser reconhecido como indígena, pois era tido como remanescente. ”Ao longo da colonização muitos povos foram dizimados, em especial os do litoral brasileiro e ainda hoje as usinas de cana produzem o doce que gera a morte”, alertou.

Anastácio Guarani Kaiowá denunciou o genocídio dos povos indígenas ao afirmar que “no Brasil se mata com decretos, se mata com portarias, se mata com agrotóxico”. A liderança Guarani Kaiowá do Mato Grosso do Sul reafirmou a preocupação do seu povo com a perda da soberania alimentar resultante da devastação da biodiversidade nos territórios indígenas e fora deles: “O que importa são as sementes… o milho é uma criança, ele tem cabelo, tem corpinho, tem dentinho! Ele é vivo!”. Anastácio reforçou a importância da parceria entre os povos indígenas na luta pela preservação de cada cultura.

Para o historiador e professor Cristóvão Xavante, o agronegócio mata e fere, e cobrou a reparação histórica pelas violações aos direitos humanos dos povos indígenas no passado e no presente: “nenhum deles pagou”, lamentou a liderança Xavante.

Na próxima edição da Tenda, de acordo com Murilo Mendonça, um de seus idealizadores e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), espera-se fortalecer o debate político e social em parceria com o Inka e outros representantes de povos indígenas para transformações sociais concretas.

Tradição e Futuro

Ailton Krenak, conhecido internacionalmente por seu discurso que resultou nos artigos 231 e 232 da Constituição Federal de 1988, participou da mesa “Pontes entre a tradição e o futuro”, ao lado do cineasta Vincent Carelli, discutindo o enredo do filme “Adeus, Capitão”, que retrata a aculturação dos indígenas, com destaque para o povo Gavião.  Durante o debate, Krenak ressaltou a importância da figura de Carelli na produção cinematográfica indígena, bem como na formação de cineastas indígenas. Ailton definiu a postura da humanidade em relação aos cuidados ao planeta como “desajustados ecológicos”, afirmou que o território virou uma plataforma de jogar veneno e finalizou criticando o modelo de desenvolvimento capitalista capitaneado pelo agronegócio: “a civilização roubou o futuro dos povos indígenas”.

Ailton foi homenageado pelas lideranças indígenas participantes no FICA 2022, como o artista indígena Alecrim Krahô Kanela ao declarar que Ailton Krenak foi seu amigo por meio dos livros. Krenak ainda foi presenteado por Fernanda Jófej Kaingáng com a edição impressa do livro “Ponto de Cultura Kanhgág Jãre: 15 Anos”, que retrata o trabalho do 1⁰ Ponto de Cultura Indígena do Brasil sediado na Terra Indígena Serrinha, localizada no norte do Rio Grande do Sul.

O artista Krahô Kanela presenteou Fernanda Kaingáng com um dos seus quadros que deverá integrar o acervo cultural do Instituto Kaingáng (Inka).

Perspectivas do Festival e Tenda Multiétnica

A expectativa de futuro é incorporar a participação massiva de povos indígenas de todas as regiões do Brasil ao FICA e a Tenda Multiétnica, segundo o geógrafo da UEG, Uelinton Barbosa Rodrigues. “Nós precisamos aldear o Festival de Cinema Ambiental, aquilombar o FICA, porque não podemos pensar no meio ambiente sem os povos que, diuturnamente, preservam e valorizam a biodiversidade do planeta então, para nós, não tem sentido um Festival de Cinema e Vídeo Ambiental sem a participação desses povos”, concluiu.

Escrito por: Wallissia Assis Cavalcanti Albuquerque de Almeida

A ADVOGADA AMBIENTALISTA, FERNANDA JÓFEJ, O ATIVISTA E FILÓSOFO, AILTON KRENAK E O ARTISTA, ALECRIM KRAHÔ KANELA.
FOTO: SURAMA DÓRIA.
ENTREGA DA PUBLICAÇÃO DO INKA PARA A COORDENADORA DO GRUPO DE TRABALHO DE AGROTÓXICOS DA FIOCRUZ, ALINE GURGEL.
FOTO: WALLISSIA ALBUQUERQUE.
RODA DE CONVERSA NA TENDA MULTIÉTNICA DO DIA 03 DE JUNHO.
FOTO: WALLISSIA ALBUQUERQUE
HOMENAGENS AO ATIVISTA AILTON KRENAK COM ENTREGA DA
PUBLICAÇÃO DO INKA POR FERNANDA JÓFEJ.
FOTO: LEONARDO MELGAREJO

2 Thoughts to “Ponto de Cultura Kanhgág Jãre marca presença na Tenda Multiétnica do 23º Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental”

  1. Leonardo Melgarejo

    Efetivamente, este encontro foi de enorme importancia para esclarecimento de todos os participantes e para o fortalecimento das articulações em defesa da vida e da natureza. Os caciques e lideranças dos povos ali representados declararam a tenda multietnica como territorio comum, dos povos indigenas e quilombolas do Brasil. Decisão forte, significativa e orientadora de rumos para o futuro comum. Parabens e obrigado à Fernanda por seu chamado à consciencia e ao protagonismo de todos.

  2. […] enfim, com apoio de Anastácio, a verdade contida nas falas de Fernanda Kaingang, do Potiguara Luis Katu, do Xavante Cristóvão, da Tapuia Eunice, do Karajá Wahua, do tapuia […]

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