Um primeiro protocolo de uso de expressões culturais tradicionais Kaingáng está sendo construído para regulamentar o uso destas expressões em obra audiovisual. Processo é inédito e segue para consolidação nesta 3ª Consulta Pública ao povo Kaingáng, agora de Santa Catarina, nesta terça (24) e quarta (25), em Chapecó.
As Organizações Indígenas Instituto Kaingáng – Inka, o Ponto de Cultura Kanhgág Jãre (Raiz Kaingáng), e o Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual (Inbrapi), realizam a penúltima Consulta Pública junto ao povo Kaingáng, dessa vez abrangendo Santa Catarina.
Uma roda de conversa abriu os trabalhos oficiais da Consulta, onde participaram a presidente do Inka, Andila Kaingáng, a membro do Inka e advogada, Susana Kaingáng, o professor e historiador indígena Kaingáng, Bruno Ferreira, o professor de filosofia e membro da Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (Arpinsul), Adroaldo Antônio Fidelis (Duko), e o advogado e membro executivo da Produtora Floresta, Thiago Pedroso.
Consultas Públicas junto ao Povo Kaingáng no Brasil
Pela primeira vez no Brasil, o povo Kaingáng está sendo consultado se concorda ou não com o uso de suas expressões culturais em uma obra audiovisual que está em processo de desenvolvimento por iniciativa da empresa Produtora Floresta.
A advogada e membro do Inka, Susana Kaingáng relembrou aos participantes como a ideia das Consultas surgiu. “Quando a produtora Floresta nos procurou, dissemos que era necessário consultar nosso povo e saber se queriam ou não a iniciativa e explicamos que não poderíamos consultar 60 mil indígenas Kaingáng, mas que poderíamos ter uma representação”.
É o que reforça o membro da Arpinsul, Duko, “estão aqui lideranças, profissionais da saúde, professores, acadêmicos indígenas e que vieram das comunidades para opinar, dialogar e construir”.
Para Duko, “as apropriações culturais vêm acontecendo e o Inka oportuniza que a gente possa explanar o assunto e dizer chega, dar um basta e falar à nossa maneira e como tem de ser. No passado, indígenas se levantaram para demarcar as terras e hoje estamos aqui para começar a criação de um protocolo e fazer isso ser respeitado”, enfatizou.
Protocolo Comunitário Kaingáng
Um protocolo comunitário sobre o uso de expressões culturais tradicionais Kaingáng em obra audiovisual está sendo criado e deverá servir de exemplo de boas práticas para outras empresas ou interessados, evitando o uso indevido dessas expressões ao estabelecer um caminho ético e juridicamente amparado por leis nacionais e instrumentos internacionais sobre o tema no contexto de povos indígenas.
Em sua fala, o professor de História e Geografia, Celestiel Kri da Silva, da aldeia Kondá, entende que a construção do protocolo é muito importante. “Nossas aldeias estão sempre sendo exploradas. Precisamos desse protocolo para ter maior segurança e espero que a gente aprove o mais rápido possível”.
Na mesma direção, a professora da Terra Indígena Xapecó, Ana Paula Narsizo lamenta que o protocolo não tenha acontecido antes. “Precisamos de ajuda, tivemos um processo histórico de perdas e de língua. É a oportunidade de mostrar que nossas pinturas estão aqui, que a nossa língua está aqui. Passamos por momentos de perdas, mas também é momento de ganhos”.
A liderança tradicional, Divercindo Garcia, da Terra Indígena Kondá, apresentou seu ponto de vista sobre o processo das Consultas e da criação do protocolo comunitário Kaingáng.
“O que estou vendo hoje me parece um caminho onde estamos querendo amadurecer, eu fico entusiasmado, porque eu estou vendo o movimento que eu tanto sonhava, que dentro de algum povo indígena alguém se levantasse para entender e trabalhar em cima desses resgates diferenciados”, expôs.
A programação da Consulta Pública segue amanhã, quarta (25), com foco na discussão sobre as condições do Acesso e Repartição Coletiva de Benefícios pelo uso das expressões tradicionais Kaingáng em obra audiovisual.
Escrito por: Sônia Kaingáng, jornalista indígena independente, especializada em Educação, Diversidade e Cultura Indígena. Cobre temáticas indígenas em Educação, Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e Biodiversidade, tendo atuado profissionalmente em organizações indígenas nas regiões Norte, Centro-Oeste e Sul. Atualmente pelo Instituto Kaingáng – Inka.