Andila Inácio, liderança e professora indígena Kaingáng (idealizadora e coordenadora do Projeto Ponto de Cultura “Centro Cultural Kanhgág Jãre), consciente do seu papel relacionado à discussão e implementação de uma Educação Escolar Indígena específica, diferenciada e de qualidade, sobre a qual reflete mediante a afirmação “eu penso que a educação escolar indígena, específica e diferenciada é muito mais do que alfabetizar na língua materna, é principalmente estar alicerçada na forma tradicional de ensinar de cada povo”, evidencia a importância da cultura Kaingáng e seus processos próprios de ensino-aprendizagem ser valorizados no âmbito do ensino formal, enquanto condição fundamental a formação da identidade étnico-cultural de crianças e adolescentes Kaingáng. Seus anseios e preocupações se encontram evidenciados no projeto do Ponto de Cultura que desde 2006 vem sendo implementado na Terra Indígena Serrinha, com apoio de idosos, artesãos, mulheres, jovens, lideranças, professores e Escolas Indígenas desta e outras Terras Indígenas Kaingáng do RS, procurando além de valorizar e fomentar a identidade étnico-cultural dos Kaingáng, também torná-la visível a sociedade envolvente que, em geral, por preconceito e desconhecimento acaba discriminando o diferente.


Susana Kaingáng é sócia fundadora da Organização Indígena Instituto Kaingáng – INKA, fundada em Abril de 2002, da qual é a atual Presidente.

Advogada Indígena Kaingáng, integra o Núcleo de Advogados Indígenas da Organização Indígena INBRAPI – Instituto Indígena Brasileiro para Propriedade Intelectual.


Mestre Jorge Garcia (Kagnãn)

“Meus pais são indígenas: minha mãe guarani e meu pai kaingáng, ambos falecidos.

Tenho hoje 90 anos e já sofri muito nesta vida, até fome já muitas vezes.

Quando tinha mais ou menos 20 anos meu pai falou que eu tinha sido escolhido para ser o seu sucessor: ele era um “kujá” (líder espiritual kaingáng – pajé), e já estava muito velho. A princípio levei um susto, pois nunca tinha passado pela minha cabeça ser “kujá”. Ele disse que o fato de eu ser bastante calmo e a sensibilidade junto aos outros nas horas difíceis eram condições muito importantes para ser um bom “kujá”. Fiquei com medo, seria muita responsabilidade para mim, mas não podia dizer que não aceitava e encarei o desafio.

Imediatamente meu pai começou o ritual de preparação para me tornar um “kujá”.

Foram 14 dias de preparação para estar apto a assumir o lugar do meu pai quando ele estivesse impossibilitado de exercer a função.

Passado algum tempo meu pai faleceu e dois dias depois em sonho meu pai me passou o seu cargo e a partir do dia seguinte comecei a minha missão.

Desde então já curei muita gente, já aconselhei muita gente que já perdi a noção de quantas pessoas”.

*Relato de Kagnãn


Mestre Maria Griá (Garenh)

“Aos 97 anos de idade me sinto como uma jovem. Por tudo que passei nesta vida, presenciei tantas coisas boas e outras ruins. Nunca freqüentei uma escola do mundo indígena.

Quando ainda era criança nossa vida era muito boa, tínhamos alimentação em abundância, muito pinhão, muita caça e muitas frutas da mata. Era tudo tão diferente de hoje, nosso sustento estava garantido pela natureza.
Hoje a pessoa precisa trabalhar para garantir seu sustento e de sua família, se não trabalhar com certeza vai passar necessidade”.

*Relato de Garenh


Griô João Carlos Kanheró (Kasu)

“Quando era criança não, tinha obrigação de ir à escola, pois não sabíamos da importância do estudo no nosso futuro, pois naquela época nosso sustento estava garantido na natureza: verduras, legumes, carne, frutas etc. Assim a escola não tinha sentido para nós.

Sou músico Kaingáng, gosto de cantar nossas canções culturais, toco a flauta chamada “Vyj Si” em Kaingáng, instrumento usado pelo nosso povo desde nossos antepassados. Gosto muito do que faço, dou palestra em escolas e universidades quando convidado, falando sobre a cultura do meu povo: Povo Kaingáng. Hoje a situação é totalmente diferente de quando eu era criança. Hoje as crianças precisam estudar para garantir cada o seu futuro. Aos poucos estamos adentrando o mundo dos não indígenas, mundo de muitas competições e de quem pode mais.

Quando me tornei adulto fui obrigado a sair da minha aldeia para a cidade, isso tudo contra minha vontade, mas não quero falar sobre isso. Desde então vivo estes dois mundos diferentes, vivo hoje na grande Porto Alegre, ainda falando e mostrando a minha cultura”.

*Relato de Kasu


Mestre Darvina Leopoldino (Garé)

“Não me lembro de ter saído da minha aldeia até meus 16 anos, somente após o meu casamento é que comecei a sair para comercializar nosso artesanato e ajudar no sustento da minha família. Lembro que quando meus pais saiam vender artesanato eu não ia junto por dois motivos: primeiro alguém tinha que ficar para cuidar a casa, como eu era a filha mais velha tinha que ficar, e segundo porque não falava português, então não iria ajudar na venda do artesanato, assim mais uma razão para eu não sair e ficar em casa.

Naquela época minha família tinha um rádio, mas meu pai me dizia que já havia um rádio maior, onde a gente poderia ouvir e olhar a pessoa que estava falando, e que também havia uns aparelhos que voavam pelo céu como pássaro carregando muitas pessoas. Eu ficava imaginando, pois eu não conhecia avião. Hoje com mais de 80 anos de idade ando por ai pelo Brasil afora viajando de avião, cortando o céu como um pássaro.

Depois que tive meus filhos comecei acompanhar minha mãe que fazia os partos das mulheres da nossa aldeia, para olhar e começar a aprender como se faz um parto, porque segundo ela eu tinha que dar continuidade ao trabalho que ela sempre realizou. E assim não só comecei a aprender como se fazia, como também os remédios que eram preparados e usados para facilitar o parto das mulheres Kaingáng. Assim aprendi também a usar nossas ervas, suas utilidades e quando minha mãe já não podia mais exercer a sua profissão eu começava a minha, digo profissão porque é um trabalho. Na verdade uma missão, porque exige muita responsabilidade, pois se trata da vida de pessoas, sem hora marcada, a hora que precisar, dia, noite, feriado, temos que estar prontos para ajudar, dessa forma ajudei a “botar” muita criança no mundo.

Aprendi também ouvindo os velhos contar nossas histórias, é costume contar as nossas histórias perto da fogueira.
Hoje eu conto estas mesmas histórias, dentro das escolas, nas salas-de-aula, às vezes para crianças pequenas, outras vezes para rapazinhos e mocinhas. Me sinto uma professora”.

*Relato de Garé


Griô Artemínio Antônio (Manhmur)

“Nasci e me criei na Comunidade Indígena Ligeiro, Município de Charrua/RS. Quando ainda criança gostava de ouvir os velhos cantarem nossas canções. Tinha as canções de guerra, de alegria, de vitória, espirituais, e tantas outras. Aprendi estas canções ainda muito cedo. Hoje, com 52 anos de idade, estou morando na Comunidade Indígena de Serrinha, no Município de Ronda Alta/RS, onde moram os familiares da minha esposa.

Há mais de 08 anos venho participando das atividades que o Instituto Kaingáng desenvolve com os professores indígenas sobre a valorização da cultura Kaingáng”.

*Relato Manhmur


Carlos Kãká (Griô Aprendiz 1ª Edição, Projeto Ação Griô Kaingáng).


Luciana Vãngri (Griô Aprendiz 2ª Edição, Projeto Ação Griô Kaingáng).


Pedro Garcia (Pó Mãg) – Participante Projeto Ação Griô Kaingáng.